PT O poder da tradição culinária

Vale November 10 at 18:26
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Ainda falando de tradições, lembrei-me de quando, há cerca de quinze anos, participei de um curso de culinária. Sim, também sou cozinheira, mas isso é outra história. Ainda me lembro daqueles dias cansativos, frenéticos, mas repletos de coisas que eu queria aprofundar e pessoas com quem compartilhá-las.

Entre uma apresentação e outra, entre aulas e jantares a preparar para os exames, todas as manhãs costumava percorrer o grande corredor que separava as cozinhas da sala de demonstrações.

Esta sala foi criada precisamente para acolher o chef e a equipa de turno, que com extrema mestria e diligência preparavam o jantar de gala no final de cada trimestre. Ainda me lembro da agitação, dos aromas, da precisão e da rapidez que dominavam a sala naqueles momentos, antes mesmo de tudo estar concluído.


A adrenalina era palpável, eu sabia bem o que significava se empenhar até à exaustão em vista de ocasiões tão importantes, onde era fácil que estivessem presentes chefs de renome.

Quando a noite finalmente chegou ao fim, não pensei duas vezes e, com a desculpa de afiar minhas facas, já que a máquina destinada a esse fim estava justamente na “famosa” sala, entrei. Para minha grande surpresa, conversei com um dos chefs presentes no evento. Mas não tive muita sorte, porque ele se retirou logo após os cumprimentos.

Em seu lugar, um membro da equipe, um jovem rapaz (que depois me disse ser de Kyūshū), muito orgulhoso de seu uniforme e com um andar seguro, veio até mim.

Assim, do nada, a conversa começou naturalmente, o que me pareceu um pouco estranho, já que sou bastante reservada, mas naquele momento mudei completamente de atitude. Certamente por causa do tema da conversa. (Eu amava e ainda amo a culinária, no meu tempo livre me divirto preparando doces e sou muito curiosa sobre o mundo culinário em geral). Então, com imenso prazer, iniciamos uma longa conversa, à qual se juntaram outros membros da mesma brigada.

Devo dizer que, na época, esse evento foi algo incrivelmente interessante, porque pela primeira vez percebi o quanto de atração e devoção são depositados na tradição da antiga arte culinária, especialmente a italiana, e em tudo o que ela representa no mundo. O ponto central da conversa foi justamente esse.

Ele me explicou com toda a precisão possível, apesar de algumas dificuldades linguísticas, quanto tempo levou para se organizar para essa experiência e quanto tempo teve que esperar para fazer parte daquela brigada específica. (Sim, eu já estava informada sobre isso porque conhecia bem o confeiteiro e sabia que era necessário estar inscrito em uma lista de espera por pelo menos dois anos antes de poder ser admitido), então ele deixou “momentaneamente” tudo para seguir justamente aquele confeiteiro específico, cujas receitas ele havia estudado praticamente todas.

Assim, entre uma palavra e outra, listamos os ingredientes para a preparação de alguns doces clássicos, como manda a tradição. A intenção era conseguir lembrar de todos eles, de acordo com os cânones da confeitaria italiana.

Essa formação ainda estava em pleno andamento, faltavam mais de três meses, mas, comparando com o que ele havia aprendido até aquele momento, com certeza ele voltaria superpreparado.

E entre uma rápida verificação dos Babàs mergulhados em rum e a preparação de várias coberturas e recheios, cheio de expectativas como só os jovens têm quando se preparam para trabalhar duro pelos objetivos estabelecidos, ele acrescentou com muito orgulho que pretendia se aprofundar em outras coisas também. Portanto, ele não tentava apenas se afirmar no campo da confeitaria profissional, mas, aspirando a níveis mais altos, queria se aventurar em outras preparações, porque, como me explicou, a intenção era propor, ao retornar ao restaurante da família, uma boa cozinha tradicional italiana, da entrada à sobremesa, alternando-a com a cozinha local.

Evidentemente, ele sentia uma forte necessidade de combinar, na medida do possível, dois tipos de cozinha culturalmente diferentes, que, em certos aspectos, ele já intuía que poderiam ser bastante atraentes aos olhos dos clientes habituais e novos.

Esse seu projeto me fez repensar o conceito de “itameshi” (イタメシ), termo cunhado pela união de itália e meshi (prato/comida), que indica a fusão e, ao mesmo tempo, a exaltação de ingredientes e estilos culinários diferentes.

Ainda hoje, parece possível experimentar esse estilo culinário nos locais que frequentemente encontramos quando viajamos, nos quais são servidos pratos da tradição italiana não estritamente ligados ao original, mas que procuram realçar suas características e aparência. Um tipo de concepção culinária com múltiplas dificuldades, visto que nem sempre é possível encontrar os mesmos ingredientes frescos, às vezes até mesmo as matérias-primas locais, especialmente quando se trata de receitas não habituais para a cultura da região.

Apesar disso, a ideia do “itameshi” também tem seu valor para os turistas, pois acontece que a demanda por pratos conhecidos é solicitada justamente porque, em um lugar novo, nem todos estão dispostos a experimentar receitas típicas exclusivas do local escolhido. Em suma, é também uma forma de “confortar” o turista pouco acostumado a experimentar pratos que não conhece totalmente.

Mas o “itameshi” tem precedentes dignos de nota. Sua primeira “introdução” no Japão por um italiano deu origem a inúmeros exemplos nesse sentido. Hoje, são muitos os restaurantes que seguem esse modelo culinário em diferentes regiões do Japão.

Após a abertura do primeiro restaurante de cozinha italiana “itamehiya” em Niigata, pelo torinês Pietro Migliore, por volta de 1881, os pratos italianos tiveram um enorme sucesso, recebendo elogios quase tão grandes quanto e até maiores do que a culinária francesa, sempre considerada de nível superior de acordo com os cânones clássicos da cozinha em geral.

Um olho treinado, ou pelo menos que conhece os pratos da tradição italiana, sabe perfeitamente o que esperar, por exemplo, de uma pizza feita em um restaurante que segue o “itameshi”, onde os ingredientes não serão os mesmos previstos na receita italiana, mas a aparência provavelmente a tornará muito semelhante.

A pizza é geralmente preparada com mochi, para tornar a massa elástica e crocante, com a adição de cogumelos shitake, queijo, molho de tomate, frutos do mar, ovas de peixe secas e um toque extra, ou seja, uma pitada de tabasco. Naturalmente, é possível encontrar pizzas mais simples, com menos ingredientes.


O espaguete napolitano é frequentemente preparado com outros tipos de molhos e temperos diferentes, tendo sido cozinhado pela primeira vez por Shigetada Irie, chef do Hotel New Grand de Yokohama (após a Segunda Guerra Mundial).

No início, a receita não previa o uso de ketchup no lugar do clássico tomate, mas sua difícil obtenção obrigou o chef a fazer essa alteração. Enquanto todos os outros ingredientes, como alho, salsa, cebola, presunto, cogumelos, pimentões e óleo, estavam normalmente disponíveis no local. Ainda hoje, os pratos podem variar não apenas pelos ingredientes propostos, mas também pelo cozimento, procedimento e preparação.


Parece que seguir o modelo culinário “itameshi” tem uma motivação bem precisa, ou seja, agradar a todos, tentando unir a tradição italiana à inovação japonesa.

Portanto, por um lado, tenta-se agradar alguns turistas que procuram pratos “confortáveis” e, por outro, respeita-se e orienta-se o paladar local para o novo, tentando atraí-lo para o conceito cultural da cozinha italiana.

E vocês já experimentaram esse tipo de modelo culinário?


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